sábado, 29 de maio de 2010

Reflexo no espelho

Sim. Eu fui possuída. Completamente possuída. Só pode ser. Não tem outra explicação.
Eu costumava amar meus filhos, tratá-los com carinho quando pequenos, mas de alguma forma eu esqueci algo no passado.
Aos poucos a idéia de ter tido filhos era ruim. Aos poucos suas presenças me irritavam de alguma forma. Nem sei explicar direito tal sentimento de repugnância.
Eu enxergava meu filho como um vagabundozinho qualquer sem futuro, que ficava sempre dentro de seu quarto bagunçado tocando violão quando não saía com os amigos e horas depois voltava cheirando a maconha.
Minha filha pra mim era uma medíocre, destinada a ser mãe solteira ou uma vagabunda qualquer que vive em função de homens.
Eu já os detestava e com o tempo passei a odiá-los. Todos os dias era forçada a ver suas caras nojentas, ouvir suas vozes irritantes, compartilhar minha comida com esses porcos e até o ar que respiro.
Mas uma noite, ao me recolher em meu quarto, triste por viver em uma casa com duas desgraças, peguei meu álbum de fotografia. Queria relembrar os belos momentos ao lado de meu falecido esposo quando os vi em muitas das fotos.
Inicialmente meu sentimento de repugnância me atacou, mas depois foi se abrandando. Muitas das fotos traziam à minha memória os momentos em que passamos juntos. Os sorrisos e olhares felizes deles quando criança e o amor que eu me dedicava a dá-los e receber deles.
Mesmo depois da morte de meu marido eles estiveram lá comigo, juntos, só nos três compartilhando sentimentos que ninguém mais poderia entender.
Eles sempre me amaram. Sempre.
Então... porque eu passei a odiá-los?!
Foi aí que desconfiei... dela.
Peguei outro álbum de fotografias. Um álbum que iluminou minha mente em busca de respostas. O álbum de minha falecida mãe.
Me lembro de minha mãe, de mim e de meus irmãos. De quando éramos criança e da forma de como ela nos tratava. Era muito amor, carinho compreensão, mas à medida que íamos crescendo seu tratamento ia mudando.
Olhar de desdém, palavras ferinas. Ela nos praguejava e amaldiçoava e eu não entendia o porque. Não entendia... até hoje.
Me lembro de minha mãe falando sobre minha avó. A mesma coisa, a mesma história que aconteceu com ela e comigo.
Por isso desconfiei de ser obra de algum espírito maligno. Do demônio talvez.
Por isso abracei minha filha bem forte e pedi perdão, no enterro de meu filho. O mesmo que eu matei ao empurrar das escadas com força e ira suficientes para tirar-lhe a vida. Pedi perdão por tê-los tratado mal, por ter esquecido do quanto eu os amava e internamente por ser amaldiçoada e ter matado meu menino só para me livrar dele e alimentar esse sentimento doentio dentro de mim.
Agora, olhando o álbum de fotos de minha mãe mais uma vez, eu percebo seu olhar maligno direcionado a mim. Ou olhar de aviso: “Você será assim também... e seus descendentes”.
Minha filha se casou com um ótimo marido. Engravidou. Temi que ela se tornasse igual a mim. Igual a minha mãe, igual a minha avó e perpetuasse essa maldição.
Isso. Maldição!
E agora que estou lúcida a ponto de ver o quanto a amo e também ao meu neto, eu percebo que devo dar fim a isso de uma vez por todas.
É por isso que estou agora em sua casa. Vim visitá-la... envenenei sua comida.
Agora ela, seu marido e meu netinho dentro de sua barriga, dormem em paz.
Enquanto unto a casa com gasolina.
Ficarei aqui com eles, irei findar esse reflexo maldito que povoou minha família por gerações.
Irei finalmente quebrar esse espelho maldito e alcançar a paz que tanto sonhei para mim e minha família.


Camila Borges

Nenhum comentário:

Postar um comentário