quinta-feira, 27 de maio de 2010

Do alto da sua janela



A chuva que continuava a cair pesadamente sobre as ruas do Rio de Janeiro, não a permitiu pregar o olho durante a noite. Era estranho, de certa forma, pois há muito tempo não chovia com tal intensidade por ali. Quando se olhava para as nuvens, a impressão que se tinha é que poderia ser qualquer hora, pois nem os raios do dia nem a escuridão da noite conseguiriam se sobrepor à névoa cinzenta que devorava os céus da cidade.

A menina se remexeu sob os lençóis à procura de uma posição agradável para dormir, mas o frio da noite chuvosa era realmente incômodo. Ela sentou-se na cama, ligou o abajur que estava sobre a mesa de cabeceira e esperou que a luz fraca iluminasse o seu quarto. Em poucos segundos, todos os objetos entre as quatro paredes já não estavam ocultos na escuridão; a luz a permitia definir cada um deles – se necessário fosse.

Ainda piscando os olhos para que se adaptassem à nova iluminação, ela saltou da cama e andou de forma desengonçada até a escrivaninha onde se encontrava um pequeno controle cinza; apanhou-o e, mecanicamente, apontou-o para cima, pressionou duas vezes um botão; guardou-o novamente e voltou para a cama, onde se enroscou de novo sob os lençóis.

Com o aquecedor ligado o quarto se tornou muito mais aconchegante e a cama convidativa, mas a chuva parecia ter levado de vez o sono da menina. Mesmo assim ela permaneceu deitada se permitindo apenas apreciar o som do temporal que abafava os poucos sons vindos das ruas quase intransitáveis.

Não tardou até sua mente se encher de pensamentos... À lembrança da balada “Teen” que não aconteceu na sexta em razão da chuva e da festa de quinze anos da prima que aconteceria no sábado e foi adiada pelos mesmos motivos, a expressão de cansaço em seu rosto foi substituída pela irritação e ela passou a praguejar São Pedro mentalmente. Era difícil para ela se ausentar da sociedade “por causa de uma chuvinha boba”.

Seu humor continuou piorando e a falta de sono agravava ainda mais aquela situação; decidiu-se, então, por assistir a algum filme ou programa. Apressou-se em pegar o controle da televisão que estava ao seu alcance, ligou-a e passou a assistir à programação do canal para aquele horário.

Na TV o que passava era um noticiário; mostrava crianças e idosos chorando, pessoas com roupas encharcadas, montes de barro e de lixo; mais pessoas aos prantos, mais entulhos; móveis boiando, barcos ocupando as ruas ao invés de carros. Uma situação extremamente caótica. Inimaginável. Mas ela, em sua profunda indolência não percebeu do que se tratava.

Protegida no oitavo andar do grande prédio de luxo onde morava, ela imaginou o que aquelas cenas representavam. Especulou que poderiam ser filmes, “só pode ser. Talvez um curta-metragem, não vi atores famosos.” e deu de ombros àquela situação que mesmo vista de fora era aterrorizante.


Nathália Gomes

2 comentários: